Muitos de nós já nos perguntamos, seria a carne um indício de nossa inferioridade? Haverá o dia em que o ser humano, mais sublimado, respeitará os animais como criações divinas? Precisamos mesmo dos recursos proteicos da carne animal?
São questões que ainda pululam em nosso meio, porém, o que quase sempre nos falta é um aprofundamento nas questões não só científicas, mas também questões doutrinárias, as quais muitas vezes extraímos determinado trecho de algum livro e interpretamos sem a devida consideração do contexto ou tempo em que foram escritos.
Conta-se um artigo que foi somente há milhões de anos atrás que teria o homem começado a incluir a carne em suas dietas, até então evidências arqueológicas indicavam que a base da alimentação dos homens primitivos eram frutas, sementes, nozes e folhas [1].
Portanto, devido a esse princípio e a nossa composição orgânica, sendo nosso intestino bem maior que dos animais carnívoros, tudo indica que começamos a comer carne sem que de fato necessitássemos dela. Um dos fatores que pode ter levado o Homo sapiens a consumir carne foi a necessidade rápida e prática de consumir caloria, sem que precisasse recorrer à difícil atividade de extrair ervas, plantas e cereais, visto que não sabiam sequer cultivar o solo através da agricultura, que surgiu muito tempo depois.
Estudos também apontam, que foi graças ao consumo de carne que nossa evolução se deu, tal como somos nos dias atuais, porém, sabemos na Doutrina Espírita que um fator determinante para a formação biológica é o perispírito dos encarnados e sua forte predisposição para as funções de hereditariedade. Sendo assim, em virtude do degredo de espíritos de outras esferas, nossa humanidade teria recebido, em determinada época, uma grande massa de espíritos mais desenvolvidos, embora com sérias dificuldades no campo moral. A vinda desses espíritos exilados de Capela, conforme nos diz Emmanuel no Livro A Caminho da Luz, teria marcado a era do Homem Cro-Magnon. Nesse sentido, encontramos no livro Tormentos da Obsessão [2], uma informação relevante do benfeitor Alberto quando se referia ao biotipo humano:
“Fosse hoje, e poderíamos aduzir que isso teria alguma razão graças ao perispírito, que se encarrega de modelar no corpo os valores ético-morais da criatura, muitas vezes desvelando o seu mundo interior pelos reflexos que a face exterioriza”.
Ainda na literatura Espírita, encontramos a seguinte questão no Livro dos Espíritos, obra base do Espiritismo codificado por Allan Kardec, onde os espíritos superiores respondem questões que visam trazer para a humanidade novamente o brilho do Cristianismo Primitivo, embora mais aprofundado, que havia sido deturpado e esquecido ao longo dos séculos.
723. A alimentação animal é, com relação ao homem, contrária à lei da Natureza?
“Dada a vossa constituição física, a carne alimenta a carne, do contrário o homem perece. A lei de conservação lhe prescreve, como um dever, que mantenha suas forças e sua saúde, para cumprir a lei do trabalho. Ele, pois, tem que se alimentar conforme o reclame a sua organização.”
Primeiro é preciso considerar, nessa mesma questão, que o que a lei de conservação prescreve é que o dever do homem é manter sua força e saúde para cumprir a lei de trabalho, conforme reclama sua organização, que pode não ser necessariamente através da proteína animal.
Evidentemente, pelo fato do ser humano ter se acostumado a se alimentar da carne durante milhões de anos e devido à grande capacidade do corpo humano em se adaptar com o meio em que vive, os espíritos não poderiam simplesmente dizer que ninguém pode mais comer carne. Consequências disso seria ver um grande número de pessoas parando de forma abrupta de se alimentar da carne, o que não é recomendável principalmente sem acompanhamento médico. Além do mais, não se conhecia até então, na época em que o livro foi publicado, os vegetais que hoje são conhecidos e que podem substituir a proteína da carne.
Contudo, sabiam eles, os espíritos que regem a vida organizada em nosso planeta, que outras obras viriam para complementar o que teriam começado a dizer, além de saberem que com o tempo haveria os homens de sublimar suas tendências, incluindo o paladar e o horror ao sangue derramado através dos morticínios.
Vamos encontrar assim, anos mais tarde, através das mãos abençoadas de Chico Xavier, obras de elevado valor espiritual, complementares e subsidiárias da Doutrina Espírita, que seriam indispensáveis para a completa compreensão do ensino dos Espíritos.
Humberto de Campos, nos traz uma mensagem no livro Cartas e Crônicas [3], que seria a visão de um espírito desencarnado perante os antigos e maus hábitos dos encarnados, revelando suas graves consequências no mundo espiritual:
Preliminarmente, admito deva referir-me aos nossos antigos maus hábitos. A cristalização deles, aqui, é uma praga tiranizante. Comece a renovação de seus costumes pelo prato de cada dia. Diminua gradativamente a volúpia de comer a carne dos animais. O cemitério na barriga é um tormento, depois da grande transição. O lombo de porco ou o bife de vitela, temperados com sal e pimenta, não nos situam muito longe dos nossos antepassados, os tamoios e os caiapós, que se devoravam uns aos outros.
Nesse sentido, é a advertência do instrutor Alexandre no livro Missionários da Luz [4]:
[…] e nós outros, quando nas esferas da carne? Nossas mesas não se mantinham à custa das vísceras dos touros e das aves? A pretexto de buscar recursos proteicos, exterminávamos frangos e carneiros, leitões e cabritos incontáveis. Sugávamos os tecidos musculares, roíamos os ossos. Não contentes em matar os pobres seres que nos pediam roteiros de progresso e valores educativos, para melhor atenderem a Obra do Pai, dilatávamos os requintes da exploração milenária e infligíamos a muitos deles determinadas moléstias para que nos servissem ao paladar, com a máxima eficiência. O suíno comum era localizado por nós, em regime de ceva, e o pobre animal, muita vez à custa de resíduos, devia criar para nosso uso certas reservas de gordura, até que se prostrasse, de todo, ao peso de banhas doentias e abundantes. Colocávamos gansos nas engordadeiras para que hipertrofiassem o fígado, de modo a obtermos pastas substanciosas destinadas a quitutes que ficaram famosos, despreocupados das faltas cometidas com a suposta vantagem de enriquecer os valores culinários. Em nada nos doía o quadro comovente das vacas-mães, em direção ao matadouro, para que nossas panelas transpirassem agradavelmente. Encarecíamos, com toda a responsabilidade da Ciência, a necessidade de proteínas e gorduras diversas, mas esquecíamos de que a nossa inteligência, tão fértil na descoberta de comodidade e conforto, teria recursos de encontrar novos elementos e meios de incentivar os suprimentos proteicos ao organismo, sem recorrer às indústrias da morte. Esquecíamo-nos de que o aumento dos laticínios, para enriquecimento da alimentação, constitui elevada tarefa, porque tempos virão, para a Humanidade terrestre, em que o estábulo, como o lar, será também sagrado.
[…] Em todos os setores da Criação, Deus, nosso Pai, colocou os superiores e os inferiores para o trabalho de evolução, através da colaboração e do amor, da administração e da obediência. Atrever-nos-íamos a declarar, porventura, que fomos bons para os seres que nos eram inferiores? Não lhes devastávamos a vida, personificando diabólicas figuras em seus caminhos? Claro que não desejamos criar um princípio de falsa proteção aos irracionais, obrigados, como nós outros, a cooperar com a melhor parte de suas forças e possibilidades no engrandecimento e na harmonia da vida, nem sugerimos a perigosa conservação dos elementos reconhecidamente daninhos. Todavia, devemos esclarecer que, no capítulo da indiferença para com a sorte dos animais, da qual participamos no quadro das atividades humanas, nenhum de nós poderia, em sã consciência, atirar a primeira pedra. Os seres inferiores e necessitados do Planeta não nos encaram como superiores generosos e inteligentes, mas como verdugos cruéis. Confiam na tempestade furiosa que perturba as forças da Natureza, mas fogem, desesperados, à aproximação do homem de qualquer condição, excetuando-se os animais domésticos que, por confiar em nossas palavras e atitudes, aceitam o cutelo no matadouro, quase sempre com lágrimas de aflição, incapazes de discernir com o raciocínio embrionário onde começa a nossa perversidade e onde termina a nossa compreensão. Se não protegemos nem educamos aqueles que o Pai nos confiou, como germens frágeis de racionalidade nos pesados vasos do instinto; se abusarmos largamente de sua incapacidade de defesa e conservação, como exigir o amparo de superiores benevolentes e sábios, cujas instruções mais simples são para nós difíceis de suportar, pela nossa lastimável condição de infratores da lei de auxílios mútuos?
Essa reflexão nos remete a uma frase de Emmanuel, que diz que estamos para os Anjos na mesma distância que os animais estão para os homens. Propomos assim uma reflexão; e se os Anjos resolvessem nos tratar como tratamos nossos irmãos inferiores do reino animal?
Dessa forma, despretensiosamente, busquemos na doutrina a luz que nos falta para iluminar nossas consciências. Temos o livro arbítrio diante de nossas escolhas, porém, cabe a cada um nós decidirmos se queremos melhorar integralmente, aproximando das leis divinas, ou permanecer parcialmente despertos, arraigados nos velhos hábitos do passado.
Referências
1. https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/ciencia-e-saude/2016/03/10/interna_ciencia_saude,521393/consumo-de-carne-moldou-o-homem-diz-pesquisa.shtml
2. Tormentos da Obsessão – Capítulo 9, Manoel P. de Miranda
3. Cartas e Crônicas - Capítulo 4, Humberto de Campos
4. Missionários da Luz – Capítulo 4, André Luiz.